Será en paella o no será

Será na paella ou não será

20 de Nov, 2020

Preparar paella pode ser uma experiência qualquer se você usar qualquer panela. Não estou exagerando. Imagine a importância da panela, visto que o prato leva o nome dela: paella. Esse utensílio de metal com duas alças grandes e uma superfície plana, que, como nenhum outro, garante o cozimento perfeito do arroz e transforma o prazer de prepará-lo em um ritual.

Vamos por partes. Primeiro, a culinária.

A paellera é ideal para cozinhar pratos de arroz ao estilo valenciano, ou seja, arroz com grãos secos, soltos e saborosos. Existem dois tipos de paelleras: as de aço polido — popularmente chamadas de "paelleras de ferro" — e as de aço esmaltado. As primeiras são o tipo tradicional e mais comumente usadas por profissionais. As segundas possuem um revestimento de esmalte que facilita a manutenção — ao contrário das paelleras de ferro, não devem ser untadas com óleo para evitar ferrugem — e prolonga sua vida útil, razão pela qual são mais comuns em residências. Ambos os tipos compartilham a tecnologia e o design que promovem a distribuição uniforme do calor por toda a superfície.

O TAMANHO DA PAELLA IMPORTA. E MUITO.

É crucial usar uma paellera do tamanho certo para o número de porções que você vai preparar. Se usar uma muito pequena, o arroz vai grudar e os grãos não vão cozinhar por igual; os que estiverem no fundo vão queimar, impedindo que os de cima fiquem crus, ou vice-versa. A lógica é simples: para um cozimento uniforme, o arroz precisa estar o mais bem distribuído possível, e para isso, é preciso escolher uma paellera de tamanho adequado. Para duas porções, um diâmetro maior que 34 cm é o ideal; para quatro porções, 42 cm; e, na dúvida, opte sempre pela maior.

Segunda parte, mas não menos importante, comer -da- paella.

A paella não é apenas o utensílio para cozinhar arroz. É também o recipiente onde se come. Muito já se falou sobre o prazer de saborear este prato comunitário, capaz de gerar tanto camaradagem quanto confrontos à mesa. Mas ninguém o fez com tanta perfeição quanto Paco Alonso, cofundador da Wikipaella. As linhas a seguir, que compõem o famoso "Manual de Como Comer Paella", são dele:

1. A paella é como uma caixa de fatias de queijo. Da borda inclinada em direção ao centro, respeitando escrupulosamente o corte do vizinho. O ideal é manter o "cavallonet", uma linha divisória, uma barreira intransponível, pelo maior tempo possível.

2. Os comensais devem ser distribuídos ao redor da paella de maneira equidistante e acessível.

3. Não é aconselhável que pessoas com grande apetite fiquem juntas; elas devem ser colocadas entre aquelas com menor apetite.

4. O utensílio mais apropriado para comer paella é uma colher. Um garfo é deselegante.

5. Se um cliente desejar espremer algumas gotas de suco de limão, pode fazê-lo livremente, mas deve pedir permissão aos vizinhos e tomar cuidado para não respingar neles. O limão já foi usado para desengordurar os dedos ou limpar fuligem.

6. A refeição começa depois que o arroz repousa pelo período prescrito, e com a proclamação solene do patriarca, ou pessoa de mais alta posição social: “Vinga que es gela l'arròs!” (Trad.: Venham, o arroz está esfriando!)


7 - Se a paella estiver boa, o cozinheiro será elogiado continuamente a cada duas colheradas, durante toda a refeição. Algumas frases frequentemente utilizadas são: “Cada gra d'arròs val vint duros” (Tr.: Cada grão de arroz vale 60 cêntimos de euro), “T'ha eixit ben senceret l'arròs” (Tr.: O arroz saiu perfeitamente cozido), “Cague en la mare que et va parir, això està rebó” (Tr.Que bom que sua mãe te ensinou a cozinhar paella tão bem. Existem muitas outras receitas tão populares quanto essa.

8. Os restos de comida, legumes e pedaços de carne que o comensal não quiser podem ser colocados delicadamente no centro da paella para que outra pessoa possa apreciá-la.

9. Se um pedaço de carne sair da paella, ele não poderá retornar a ela em hipótese alguma, muito menos na forma de ossos.

10. Se alguém invadir o espaço de outro cliente, e for a primeira vez, poderá receber uma ligeira desaprovação acompanhada do monossílabo "Xé!" seguido de "fes el favor" (faça o favor). Se repetir essa transgressão, poderá ser repreendido com mais veemência com a seguinte frase: "Eres poc fill de puta" (Você é um pouco atrevido). Embora possa parecer ofensivo, em valenciano é um termo de cortesia e camaradagem.

11. Considera-se que um comensal se retirou quando coloca a colher na borda do caldeirão ou diz: “Estic fart, ja no puc més!” (Trad.: Estou farto, não aguento mais). Nesse momento, seu espaço pode ser ocupado pelos vizinhos mais próximos, sempre educadamente, derrubando o pequeno suporte de madeira e rompendo a barreira suculenta, mas sem levar tudo.

12. É de muito mau gosto virar a paellera para acessar outras áreas onde ainda há arroz. O único que podia fazer isso era Joan Monleón.

13. Se a paellera balançar devido à instabilidade e um voluntário se oferecer para segurar a alça para evitar que ela se mova, o copo dessa pessoa permanecerá cheio de bebida.

14. Quando a colher tocar o fundo de metal e o tão desejado “Socarraet” aparecer, você deve manter a calma e distribuir o ouro negro igualmente para não acabar “como uma bola de torrente”.

15. A refeição termina quando os comensais saem ou quando não sobra nada na panela, sinal indiscutível de que a paella estava boa.

Cozinhar e provar fazem parte do ritual da paella. É uma experiência que sabemos que começa — quando nos reunimos com os nossos entes queridos à volta dela — mas nunca sabemos quando termina. Esta experiência única, repetida nas casas valencianas todos os domingos, não seria possível sem aquele utensílio de metal chamado paellera.

José Maza